Crítica: O final de “Constantine”.


Com a confirmação da nova série, confirmamos também o último punhado de terra sobre uma possível continuação do filme. Pego esse gancho e exponho que, sendo um admirador da mitologia e das histórias sobre super-heróis, sempre me questionei sobre o melhor filme relacionado ao tema, mas me pego surpreso quando revejo o final de “Constantine”. O enredo do filme não chega a ser tão bom, com alguns buracos e ideias batidas, mas a sequência que começa com o exorcismo de Ângela, dominada pelo filho de Satã, inicia a minha análise apreciativa sobre o desfecho da aventura. Mais especificamente começa por esse personagem original, que seria proporcional a um Jesus infernal, daí já se especula um impacto sobre o mundo. Contudo, ele ocasiona a participação de dois personagens bem mais interessantes; primeiramente, o anjo Gabriel (incorporado pela andrógina e ótima Tilda Switon).

Este último surpreende ao se revelar o vilão da trama. Nem menos interessantes são seus motivos egoístas e invejosos devido à raça humana possuir o amor de Deus, mas não parecer digna desse, razão retratada pelo antagonista na frase: “O ser humano encontra o seu lado mais nobre diante do horror. Então, vou lhes dar motivo para serem nobres”


Logo depois, numa sequência incrível, porém justificada no decorrer da estória, o tempo para literalmente, uma tão engenhosa quanto arriscada estratégia, por ser consequência do suicídio de Constantine na intenção de invocar um ser maior que os dois comparsas antes mencionados; um ato de desespero apoiado em um boato de que tal ser viria buscar sua alma pessoalmente: Lúcifer.

Sem se ater à interpretação assombrosa de Peter Stormare, que incorpora o Belzebu (bom trocadilho) e à ideia adotada para o personagem (que inspira irritação, não terror), o Tinhoso assume seus desejos em possuir a Terra e impede o plano de Gabriel de pôr o mundo a mercê do mal (que bela ironia).


O que até então já daria um desfecho mais que memorável, por não apelar para violência ou ação batida em filmes do gênero, mas sim diálogos concisos e apropriados – levando em consideração um tabu para nós, fãs, que é a censura -, o filme não termina sem antes expor uma questão bastante interessante, personificada na ideia do protagonista; a demonstração de como o ser humano não deve confiar em si próprio: Constantine nega um favor do Cão, que poderia dar a chance ao suicida de conquistar a sua passagem ao céu ao ter sua vida reconquistada, mas este surpreende por negar a sorte, em troca da alma amaldiçoada e injustiçada da irmã gêmea de Ângela, que padece no inferno (o porquê eu me privo de mencionar aqui).

Assim, faz-se evidente uma maneira de conquistar uma vaga no paraíso, bastante simples de entender, mas difícil de executar; o sacrifício de Constantine só pode ser considerado legítimo por ser avaliado pelo Onisciente.


Então, outra reviravolta surpreendente, Lúcifer, num impulso cobiçoso, não só revive Constantine como cura sua enfermidade cancerígena, a qual lhe concederia pouco tempo na Terra, no argumento de “dar a chance de provar o seu lugar no inferno” (o Diabo aparece quase como um Pokémon como um idiota manipulável).

Novamente, poderia acabar aí, o que estaria excelente e, acrescentando mais, correria o risco de sobrecarregar e poluir o final da trama. Contudo, de forma nada menos que racional e engenhosa, Constantine se depara com Gabriel, agora humano, de quem não se esperaria nada mais que uma atitude de desfecho por estar derrotado. 


Mas, o vilão, por - talvez - estar sentindo uma dor terrivel, atiça a raiva de seu inimigo a matá-lo (isso justo no momento em que o anjo está na condição de receber todo o amor de Deus, o qual inspirou a sua inveja infantil e o arquitetar da trama sinistra). Neste ponto se identifica o desafio que o protagonista terá pela frente ao recusar seus anseios violentos de matar a vadia - apesar de humanamente justificados - para preservar sua condição de merecedor do paraíso; uma singela última cartada aplicada não por Lúcifer, mas pelo real vilão da trama.
 No final, ainda temos um vislumbre do caráter moral admirável do anti-herói, despertado no discorrer dos eventos supracitados, já que reconhece sua fraqueza e pede para Ângela esconder a “Lança do Destino”, objeto do qual ele poderá vir a beneficiar-se de forma inescrutável para ele próprio. Enfim, um anti-herói humano que sobrepuja 3 inimigos divinos com, apenas, o raciocínio e um soco só pode merecer nossa admiração. 

- Herbert Rodolfo

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