Papeis em Cinza - 01 | Da Criação



Meu corpo estava quente aquela tarde. Sentado na praça mais bonita da cidade, cercado das pessoas mais simpáticas e indiferente aos problemas que davam vida à tudo em torno daquele oásis protetor, eu só precisava escrever. Não que eu tivesse algo para ser escrito, ou que achasse que valeria a pena ser lido, mas a necessidade de preencher o vazio de um papel em branco com a existência pura e simples me seduzia. Olhar para a folha em branco no meu colo me fazia pensar no céu, na infinidade do vazio e em todas as coisas que o preenchem, todas as coisas que existem e eu nunca poderia imaginar, ver, e o que me causava mais incomodo: alcançar. Diante dessa inevitável frustração perante a natureza da existência eu confesso que por um considerável período de tempo as minhas perspectivas foram abaladas e reduzidas apenas ao autoflagelamento psicológico e filosófico, felizmente substituído, gradativamente, por uma inquietação que tinha origem na habitual bênção/maldição humana, me levando a buscar mais do que me é oferecido, a ver mais do que os olhos mostram. Ora, se o céu guarda um universo infinito e rico que está “fora do alcance” dos homens, o que seria o homem senão o detentor de seu próprio universo, incrustado em si mesmo e completamente entrelaçado com tudo ao seu redor? Nesse ponto cheguei à descoberta de minha vida! Percebi que eu, criatura, possuía, por direito de ser, motivo e razão da existência, o status de criador, e que tal qual o céu que tanto me instigava, em mim existiam mistérios infinitos e inconcebíveis que precisavam ser trazidos à tona e entrelaçar-se com outros, afinal de contas o mistério só existe quando existe alguém disposto a não compreende-lo, certo? Voltando agora para a folha de papel. Ali eu materializava tudo isso. Um universo infinito, pronto para ser preenchido e ganhar sentido de todas as formas que seu criador desejar, desde um desenho ou poema, até o descarte para dar lugar a um que mais lhe agrade. Preencho minhas folhas de papel como um criador que constrói seu universo, e através delas rompo as correntes que enxerguei originalmente em minha existência, e as substituo por asas que me afundam no mar de mim mesmo e me permitem dizer, nem que seja por um precioso momento, que sou livre da natureza que me foi imposta em detrimento da minha. Quando preencho uma folha de papel, eu sou humano, e por ser humano, compartilho e absorvo outros mundos. É isso que faço agora.

~Batalha

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